quarta-feira, 29 de julho de 2009

Cinemagia: ABC do Amor


"O amor é uma coisa feia e terrível praticado por tolos e um dia ele vai te pegar e quando isso acontecer, ele vai pegar seu coração e vai deixá-lo sangrando no chão."

Admito que esse filme mexeu de uma forma inesperada comigo, provocando uma série de lembranças...

Gabe Burton (Josh Hutscherson) é um garoto de 11 anos, que cursa a 5ª série e mora com seus pais, Adam (Bradley Whitford) e Leslie (Cynthia Nixon), em Manhattan. Os pais de Gabe estão separados há um ano e meio, mesmo ainda morando juntos, pois seu pai sempre adia o dia de sua mudança.
Sem se incomodar com isso, Gabe é feliz se divertindo com seus amigos, seja jogando basquete na escola, andando com seu pequeno patinete pela vizinhança, ou treinando futebol americano com o pai, mas nada que lhe desperte qualquer interesse por garotas.

Até o dia fatídico em que ele começa a ter aulas de karatê na mesma turma de Rosemary Telesco (Charlie Ray), uma colega da escola e amiga de infância. Nasce uma simpatia recíproca entre eles. E basta Gabe ver Rosemary experimentando um vestido de dama de honra pra cair de amores por ela.
Aliás, Gabe não vê Rosemay. Pela primeira vez em sua vida, ela a fita... que é o que se diz quando você se encanta por outra pessoa, não importa a idade.
Gabe se apaixona por Rosemary, mas não consegue lidar com a dimensão gigantesca que este sentimento toma em sua vida, levando-o muito além dos quarteirões em que costumava passear de patinete. O menino só não duvida da sua importância e começa a traçar planos para fazer sua amada ser apaixonar por ele.

Gabe e Rosemary passam a fazer parte da vida um do outro, tornando-se inseparáveis amigos, vivendo aventuras e se metendo em enrascadas por Nova York, cidade que de certa forma é uma personagem importante, sendo a testemunha silenciosa e acolhedora desse desabrochar do amor juvenil.
Uma Nova York rica não só em sua flora, seja na selva de pedra dos prédios de Manhattan ou na beleza natural do Central Park, mas também em sua fauna, com tipos comuns, como a sempre preocupada babá de Rosemary, ou inusitados como o mendigo que prediz que o protagonista terá seu coração dilacerado por aquela garota ou ainda cativantes, como o ascensorista amigo do menino que se apaixona pela vizinha deste.
Por mais que eles se aproximem, no entanto, Gabe nunca tem a certeza, aquela certeza... a que que nos faz capaz de encarar qualquer coisa em qualquer lugar (ao menos na nossa imaginação) que seu sentimento é recíproco. O filme nunca mostra o ponto de vista de Rosemary, só nos dá dicas e sugestões.
Mas se nem pra uma pessoa adulta de cabeça fria é fácil compreender sacadas sutis, imagine quando você tem 11 anos e acha que encontrou o grande amor da sua vida?
E mais ainda quando você descobre que esse amor está prestes a partir para um acampamento de verão e que logo depois pode ser transferida para outra escola?

Tudo isso leva o garoto a cometer todos os erros possíveis pra quem sabe uma hora acertar e poder declarar seu amor. Essa oportunidade chega, passa, chega de novo e passa outra vez... pra desespero do pequeno.

"Mas o amor não é de palavrinhas ridículas, o amor é de grandes atitudes, o amor é ir mais além mesmo que doa; deixando tudo pra trás. Amor é encontrar uma coragem dentro de si mesmo, que você nem sabia que tinha."

Porém, quando menos se espera, um encontro e um beijo acontecem. Não porque ele planejou, mas porque foi natural. Porém, pedir que a mente assimile essa informação com o coração batendo mais rápido que carro de Fórmula-1 é querer demais.
E daí vem a necessidade desnecessária de auto-afirmação, como se o que você tem já não bastasse... porque o ciúme e a inveja cegam... você não é mais criança pra ser humilhado pelos outros sem reagir, mas também ainda não é adulto o suficiente pra perceber que as pessoas ao redor não estão com o propósito maligno de te humilhar pois tem mais o que fazer. O nome disso é adolescência.
E daí vem a clássica "pagação de mico"... Cedo ou tarde em nossas vidas, todos nós pagamos a dívida pro tal do mico.
Pra Gabe, o preço saiu muito caro como uma descida do paraíso ao inferno com direito à baldeação no pronto-socorro pra engessar a mão. E então, vem à tona toda a frustração e raiva na hora errada e com a pessoa errada.
Afinal, se ela realmente o amasse não o teria traído na sua imaginação!

Gabe então se afasta de Rosemary, mas não consegue afastá-la do seu coração. Uma conversa com o pai no fim do filme acaba levando a reflexão de ambos e esclarecendo muita coisa. Seus pai e sua mãe se conheceram e se apaixonaram quando eram alguns anos mais velhos que Gabe e Rose, mas se separaram pelo mesmo motivo.

"Talvez nem tudo deva durar para sempre, certas coisas são como escrever no céu. Uma coisa muito bonita, mas que dura alguns instantes apenas e depois... depois você entende né? O amor, ele realmente é terrível!"

Porque às vezes você evita falar tantas coisas pra pessoa que ama por medo, que o acúmulo delas acaba criando o vazio de uma distância... até que elas não tenham mais nada pra dizer.
Gabe tem finalmente um momento de maturidade, se despindo do seu ego e indo encontrar Rosemary, que calhou o destino que estivesse num casamento usando o mesmo vestido de dama de honra com que ele se apaixonou por ela. Após finalmente se declarar, ele e o público ouvem da menina o óbvio: que ela ainda é uma criança pra pensar em namorar e que tem tantas dúvidas sobre seu sentimento quanto o próprio Gabe.
Assim ele percebe que, ainda que fazendo as pazes, o afastamento de ambos é inevitável. Ao menos, os dois terminam dançando juntos, desfrutando desse último momento.

Como o pequeno narrador havia prometido no início contar uma grande história de amor, o diretor ainda sai pela tangente reconciliando os pais do protagonista no fim numa cena bastante simbólica.
ABC do Amor me cativou bastante. Mesmo tendo 25 anos consigo me identificar com um garoto de 11 e tenho certeza que não sou o único. Alguns exageros à parte (desnecessários como o vômito coletivo ou perspicazes como o astro de artes marciais), essa pequena obra-prima é um firme e singelo retrato da infância e do começo da juventude.
O primeiro amor vem pra todo mundo. Ele não é necessariamente a primeira paixão, o primeiro beijo ou o primeiro namoro, mas como Gabe diz no fim, entre tantos outros que vem e vão, ele vai ficar pra sempre e vale à pena o sacrifício que enfrentamos nem que seja pra tudo acabar em saudade.

Se a princípio eu achei inadequado o filme focar tanto nos melodramas do protagonista só pra terminar com a sensata declaração da menina, dando a entender que eles não ficam juntos justamente por todos os arroubos inevitáveis da idade, um olhar mais atento na cena em que o garoto vê os pais como eles eram quando jovens revela uma forte dose de esperança não só pra eles, mas também pra Gabe e Rosemary, que afinal tem todo o futuro pela frente... e quem sabe até pro público que um dia encontrou ou reencontrará esse amor.

"E agora você me pergunta: o que eu ganho no final? Nada, além de algumas incríveis lembranças que não se esquecem. A verdade é que haverá outras garotas, quer dizer, assim espero, mas nunca terá esse primeiro amor novamente, esse primeiro amor sempre será você."