terça-feira, 11 de novembro de 2008

Peço a Palavra: Batman X Frank Miller


Eu tenho reparado que os fãs do Batman são exageradamente reverentes ao Frank Miller, como se ele fosse o sacerdote de alguma seita, sei lá.
É um tal de gente dizendo: "Eu sou fã mesmo do Batman do Frank Miller".
E quando eu digo que o Batman não se resume ao Miller os caras ficam ofendidos, dizendo que esse pensamento é que causa histórias ruins do Morcego, como se nada que saísse um pouquinho diferente dos antigos trabalhos do autor fosse certo.

É, antigos trabalhos. Miller criou nos anos 80 Batman - O Cavaleiro das Trevas, talvez a melhor história do personagem e dos quadrinhos em geral sobre um futuro onde um velho Batman enfrenta um governo repressor, e Batman Ano Um, uma das melhores origens já contadas numa HQ.
Mas depois de explorar o fim e o início de Batman, o que mais ele fez? O crossover Spawn/Batman foi bem meia-boca, O Cavaleiro das Trevas 2 é considerado uma das maiores decepções de todos os tempos e sua atual fase na série Grandes Astros Batman & Robin é tão ruim, mas tão ruim, que estão dizendo que ele está fazendo assim de propósito, ou seja, estão apontando a história como uma sátira.
Ainda se for verdade, já que até hoje o próprio autor não confirmou nada, prova que Miller já não encontra nenhuma história boa de verdade pra contar com o personagem, o que torna o fanatismo flagrante dos fãs cada vez mais preocupante.

Aliás, nem o próprio Frank Miller aguenta mais seus fanboys. Na minha opinião é por isso que ele tá chutando o pau da barraca com o Batman All-Star (nome original da série Grandes Astros), porque querem forçá-lo a fazer algo que ele não quer mais fazer!
Pior! Parecem querer colocar palavras na boca do cara, o que deve deixá-lo mais furioso ainda. Lembro o quanto as pessoas disseram que o filme Batman Begins desrespeitava a obra do Miller, que as idéias do filme eram patéticas comparadas às idéias de Miller, que não interessava que pegassem idéias de outros autores, pois o bom mesmo era o Batman do Miller, que não tinha nada a ver com o que o Miller queria... até que o próprio Frank Miller declarou empolgado que gostou realmente do filme, que sabia que pegaram idéias dele e de outros autores, e que pela primeira vez sentiu o Batman de verdade no cinema.
Sei lá, às vezes dá a impressão que essa "religião" criou uma entidade chamada Frank Miller e que o próprio como indivíduo não é mais bem-vindo.

Eu já fui um grande fã do Frank Miller, achava ele um dos melhores de todos, senão o melhor, mas ele não escreve mais tão bem! A realidade é essa! O trabalho dele hoje é retrógrado!
Exatamente por não querer mudar é que ele acabou mudando, já que as regras do mundo de ontem não são mais válidas hoje e o jogo mudou.
Os posicionamentos políticos do autor nos anos 80 até meados da década seguinte, refletidos em suas HQs (não só no Batman, como também em histórias independentes) eram um grito de liberdade contra o sistema opressor do mundo bipolar da época da Guerra Fria.
Hoje, num novo mundo à mercê da globalização e do terrorismo, sua obra atual soa mais como a própria violenta repressão à liberdade por ele próprio defendida anteriormente.
O mundo mudou e Miller não se adaptou!
O Frank Miller dos anos 80 era uma anarquista cheio de garra com muito gás pra trabalhar. Um cara que eu aprendi a admirar. No contexto de hoje, porém, ele soa como um reacionário de direita, cada vez mais voltado a agradar o povão e faturar uma grana com isso, vide seu atual flerte com Hollywood. Aguardemos seu primeiro filme solo como diretor, a adaptação cinematográfica do Spirit, e vejamos o que ele fará com o personagem de Will Eisner.

Mas não quero tratar do rumo da carreira dele fora das HQs e sim dentro. A continuação de sua obra-prima é um claro exemplo de seus equívocos. Se no primeiro Cavaleiro das Trevas o artista inteligentemente não colocou Batman nem
ideologicamente ao lado do comunista Arqueiro Verde, nem do imperialista Super-Homem, no segundo ele erra justamente por colocar o Morcego tomando partido.
O herói, que antes era uma marginal apolítico que não se enquadrava nos preceitos da sociedade vigente, arranjou um espaço cativo na mesma como líder de uma resistência e, exatamente por encontrar um rumo, ele se perdeu... pois qualquer rumo que tomasse naquelas circunstâncias seria errado.
A sua maior prova de resistência ao sistema na primeira mini-série era sua existência e sua volta ao combate ao crime mesmo com todos torcendo a cara e querendo pô-lo num cabresto. Essa trama original encerrava com o personagem simulando sua própia morte e caindo na clandestinidade, enquanto planejava uma nova vida ao lado de um exército de seguidores. Até aí tudo terminava perfeitamente. Não precisávamos saber mais detalhes sobre essa vida, ficava pela imaginação de cada um.
Mostrar o que acontece depois, no entanto, estragou tudo. Bem ou mal, querendo ou não, Cavaleiro das Trevas 2 é uma história onde Batman virou um herói político (se é que essa definição é possível), o que implica que ele se tornou igual aos que combatia na história original.
Por quê?
Porque Batman poder ser o cara mais foda do mundo, mas nem ele está acima do Bem e do Mal.

Algumas idéias que Miller joga em Cavaleiro das Trevas 2 podiam até ter dado mais certo se fossem usadas anos antes.
Saindo da esfera política, podemos citar só o romance entre Mulher-Maravilha e Super-Homem. Cara, isso foi mostrado DEZENAS de vezes nos anos 90 e provado por vários autores que não poderia dar certo devido ao eterno amor entre o Super e Lois Lane.
E quando todos estavam boquiabertos com a ousadia do desenho animado da Liga da Justiça que centraliza várias vezes o foco da ação num romance inesperado entre Mulher-Maravilha e Batman... lá vai o Frank Miller querer juntar ela com o Super-Homem de novo...
Seja em interações românticas, ideologias políticas e sei lá mais o quê, o cara parece ainda ter a mesma mentalidade de QUINZE OU VINTE ANOS ATRÁS!
Ele não é muito diferente do Chris Claremont nos X-Men. Foi um grande inovador e pioneiro, mas não tem mais nada de bom ou de novo a acrescentar aos personagens que lhe deram reconhecimento!

Eu não nego todos os méritos do Miller com Cavaleiro das Trevas e Ano Um, mas caramba!, são só DUAS HISTÓRIAS!
Achar que o Batman se resume a DUAS histórias é ser fã do personagem?
Pior ainda, achar que o Batman, que é o personagem com o maior número de grandes histórias, se resume a DUAS histórias, é ser fã de quadrinhos?
Parece haver fãs do Batman... E fãs do Frank Miller. E digo e repito: Batman é maior que Frank Miller! Duvidam? Peguem o primeiro encadernado da mini-série Batman Preto-e-Branco, antologia em que vários autores diferentes criam histórias pro Batman com liberdade criativa pra darem suas visões.
A grande maioria das histórias são verdadeiras obras-primas.

As pessoas tem que parar com essa fantasia de que Frank Miller chegou na DC, pegou um Batman infantilóide e pimba! transformou-o no personagem fodão que é hoje, inspirando Alan Moore, Grant Morrison e os demais que vieram depois.
A revolução que Miller fez no Batman já estava acontecendo mesmo antes da mini-série O Cavaleiro das Trevas. Foi o desenhista Neal Adams quem peitou a DC nos anos 70 pra fazer o Batman ser sombrio de novo e não mais aquela versão cômica do seriado de tv.
Enquanto Frank Miller teve o apoio da editora e foi tratado como astro nos anos 80, Adams enfrentou a desconfiança geral até falar na cara de um dos editores da DC que até as crianças dos Estados Unidos sabiam como o Batman deveria ser, e os únicos que não sabiam eram os que trabalhavam na DC Comics.
Foi graças a ele que a revista do personagem não foi cancelada.

E entre Adams e Miller, houveram muitos outros. Pra começar Denny O´Neal que de roteirista designado a trabalhar com Adams, tornou-se talvez a pessoa que mais escreveu histórias do Batman em décadas, virando editor-chefe da linha de gibis do Morcego e responsável por trazer o próprio Frank Miller pra trabalhar com o personagem.
A primeira história de Miller com o Batman, aliás, foi o desenho de um roteiro de O´Neal, "Procura-se Papai Noel, Vivo ou Morto!". Aliás, o traço de Miller também já viu dias melhores, com pode comprovar quem ler essa história.
Outros grande autores que deixaram suas marcas em Batman na fase pré-Cavaleiro das Trevas foram as duplas criativas Steve Englehart e Marshall Rogers e Mike Barr e Alan Davis.
É uma opinião bem pessoal minha, mas Mike Barr foi o melhor autor de Batman de todos os tempos, mesmo que na época muitos fãs não aprovassem o que ele fazia.

Podem até dizer que não é verdade que eu aceito numa boa, mas é de revoltar quando afirmam falsamente que antes de O Cavaleiro das Trevas o Batman não era sombrio, atormentado e violento como teoricamente passou a ser depois.
Eu vi coisas em histórias de Mike Barr que nunca mais vou ver num gibi do Morcego, tanto que várias tramas do cara foram consideradas de fora da cronologia de tão polêmicas.
O fato delas estarem voltando hoje em dia, tanto nos filmes quanto nas HQs atuais escritas por Grant Morrison, me faz pensar que não adianta só se ter grandes histórias ou histórias revolucionáras. E não só no Batman, mas as histórias dele no Esquadrão Atari, que mexiam com viajem no tempo, ou em Camelot 3000, que mostravam um mundo pós-apocalíptico, eram algo praticamente sem par no período em que foram criadas, mas não são tão lembradas nos nossos dias, onde muitas das idéias do autor passaram a ser corriqueiras.
O paladar do público muda com os tempos, tornando muita coisa relativa, as coisas entram e saem de moda cada vez mais rápido.

Aonde eu quero chegar com isso? Frank Miller inovou nos anos 80 ao trazer a concepção estética e estilo narrativo do mangá pro Ocidente e mesclar com a narrativa e enquadramento cinematográfico usados por seu mestre, Will Eisner.
Isso foi um choque na época e provocou um grande avanço nas comics norte-americanas. Mas talvez, se ele tivesse feito isso antes, não tivesse dado certo. Talvez o público não aceitasse aquilo do mesmo jeito.
Tanto que é justamente por ele manter muitas das mesmas idéias hoje que seu trabalho não faz mais tanto sucesso.
Então será que estou errado em pensar que muitas idéias de Mike Barr nos anos 80 poderiam estar à frente do seu tempo? Digo isso por que pode ter acontecido com outros. Com certeza aconteceu com o Neal Adams.

Não tenho intenção de comparar autores na verdade, o que eu realmente quero é acabar com essa segregação de alguns fãs que cismam em dividir o Batman entre Frank Miller e o resto, porque isso é injusto.
Ele é um autor como outro qualquer fez coisas boas e ruins, existem artistas melhores e piores do que ele, mesmo que os melhores sejam poucos.

E pra quem discorda disso, vale lembrar as sábias palavras de Sketeer Valentine:
"Sempre que você acha que é o melhor em alguma coisa, lá vem um Billy Bochecha Grande..." hehehehe

5 comentários:

Freud disse...

Ótimo texto, Corto. Foi legal lembrar a fase do Steve Englehart e Marshall Rogers, que eu curti muito e não é muito lembrada.

Eu sinceramente penso sobre Cavaleiro das Trevas 2 o mesmo que todos falam de All-Star Batman: Encheram tanto o saco do Miller pra continuar a estoria que ele fez uma merda qualquer pra acabar de vez com isso.

Agora... Tem gente que pensa que o Miller inspirou Alan Moore? HUhaauua.... Só pode ser piada...

Ainda na época da primeira fase do Miller em Demolidor (a segunda fase, a queda de Murdock, eu considero o melhor trabalho do Miller) o Moore fez uma sátira á linguagem que o Miller usava ali, zoando direto com o personagem, hehehe....

João Gabriel disse...

Eu sou fã do Miller, mas por causa de Sin City. Bátema: Ano Um é minha HQ favorita do bátima, mas não sou fã do personagem, então não li muita coisa dele. Concordo que o Miller anda mal das pernas, e também penso na possibilidade dele ter apenas chutado o pau da barraca, mas pô, o cara sujaria o nome dele só pra ter o gostinho de uma revolta? E carai, não tá adiantando nada, All-Star Batemã, vende igual sorvete no deserto.

Sempre gostei bastante do traço do Miller, e confesso que comprei aquele encadernado caro pra cacete que lançaram junto com 300, só por causa da arte.

De qualquer forma, muito bom o texto, esse tipo de texto mais sério é bom pra dar uma equilibrada com o MDM, que é só besteirol, mas é o único site de HQs que eu visito.

Lucas Ed. disse...

Fala Corto!
Ia dizer que é um excelente texto, mas todo mundo já disse: daí não digo mais.
De qualquer forma, eu acho meio chato esse fanatismo autoral. Me parece uma tendência a dizer que mesmo o que determinado sujeito faz de ruim é bom, quando não é verdade. Miller tem trabalhos nojentos, Moore também, e Morrisson, e todos. Pra mim, isso não apaga ou diminui a genialidade deles, mas a reafirma, pois os insere no campo da possibilidade. Um gênio em tudo não passa de um embuste.
Agora, sou obrigado a discordar de você quanto à arte do Miller: eu particularmente acho o trabalho atual dele, mais estilizado, mais tosco e duro igualmente mais bacana do que o estilão visto em "Procura-se Papai Noel, Vivo ou Morto!", que era uma arte mais enquadrada no padrão, mais bonitinha...
Mas aí, evidentemente, é questão de gosto. Só isso.
Abraço!

Thanos disse...

HQ com conteúdo e consciência! Sua colocação com relação a Frank Miller pode ser considerada um expoente da tendência de alguns leiores de endeuzar certos roteiristas e desprezar outros, quando percebo que muitas idéias na verdade são recicladas.

Posso citar como exemplo a atual fase de Thor pelas mãos de Straznski. Vi uma resenha em outro site que afirmava que pontos humanitários nunca haviam sido abordados nas histórias do filho de Odin, quando na verdade essa foi um questão amplamente abordada na fase de Dan Jurgens.

Chega de tendenciosidade. Os personagens possuem uma mitologia muito maior do que o ego de alguns roteiristas que querem ser os fodões e de idólatras que querem por que querem que um personagem resuma-se a estes.

Bat-Cristina disse...

Seu herege!
Escreveu um texto e não elogiou toda a existência de Frank Miller?
Cuidado!