quinta-feira, 23 de outubro de 2008

As HQs que inspiraram Batman Begins e O Cavaleiro das Trevas




Estreando a coluna Cinemagia, afinal em algum espaço deste Blog eu teria que falar de cinema. Pra começar vamos tratar do filme do momento, e já avisando que contém SPOILERS.

Pegando carona no sucesso de Batman - O Cavaleiro das Trevas, essa matéria procura uma abordagem diferente de tantas que já foram dadas ao filme. Vamos buscar apontar aqui as histórias em quadrinhos que serviram de "ponte" para o roteiro dos dois filmes de Batman estrelados por Christian Bale.

Ao lado do diretor Christopher Nolan e de seu irmão, o roteirista Jonathan Nolan,o roteirista de cinema e quadrinhos David Goyer ajudou a tornar os dois longas seguramente a melhor adaptação de uma HQ para o cinema.
A fidelidade aqui não é como em Sin City ou 300, uma mera transposição de imagem e som, não muito diferente das pinturas de Alex Ross, e sim um produto que consegue ser criativo, ao mesmo tempo em que conserva o espírito e os conceitos da obra original.




BATMAN BEGINS




- Batman Ano Um de Frank Miller mostra Bruce voltando a Gothan, reencontrando a caverna e explora seu relacionamento com James Gordon (Gary Oldman) e Alfred (Michael Caine), embora nos quadrinhos Gordon não tenha conhecido Bruce quando ele era criança.
Também é daí que surgem o conceito de Alfred ter experiência com medicina de guerra, o temor do detetive Flass por Batman, o poder de Falcone sobre a cidade e a corrupção policial, que também é visto em O Longo Dia das Bruxas.
A cena da fuga de Batman em meio à chuva de morcegos e a cena final com o Bat-sinal e a carta do Coringa também são desta HQ.
- A trama básica de Joe Chill (Richard Brake) e a personagem Rachel/Raquel (que em Begins foi vivida por Katie Holmes) surgiram de Batman Ano Dois de Mike Barr.
Sendo que Rachel originalmente era uma noviça filha do vilão Ceifador que também só conheceu Bruce depois de adulto e Begins também toma como base a primeira aparição de Joe Chill numa história de Bill Finger nos anos 40.
Em ambas as versões Chill morre diante dos olhos de Bruce, sem que ele possa consumar sua vingança.
Além do gibi de linha, Batman Ano Dois já foi republicado uma vez em formatinho em O Melhor de Batman da editora Abril.

- Batman Ano Dois teve uma continuação, Full Circle (algo como O Círculo Se Fecha) que até hoje continua inexplicavelmente inédita no Brasil. É dessa sequência que veio a cena do filme aonde Bruce atira a arma no mar, um dos mais belos momentos do longa.
Ambas as HQs foram a base do longa animado Batman - A Máscara do Fantasma.

- Henri Ducard (Liam Neeson), que treinou Bruce Wayne, era no longa-metragem uma máscara de Ra´s Al Ghul, assim como Bruce Wayne era uma máscara do Batman.
Mas o personagem surgiu originalmente sem nenhuma relação com o vilão em Justiça Cega de Sam Hamm (autor do roteiro do primeiro Batman de Tim Burton), onde Ducard era, exatamente como permanece até a metade do filme de Nolan, um mestre de Bruce com uma moral ambígua.
Justiça Cega foi publicada completa pela Abril em Batman Anual 1.




- O personagem Richard Earle, interpretado por Rutger Hauer no cinema, faz uma ponta em O Longo Dia Das Bruxas de Jeph Loeb como um corrupto presidente do Banco de Gothan, chamado Richard Daniel.
Nos quadrinhos ele morre rapidamente e não tem nenhuma relação com Lucius Fox (Morgan Freeman). Aliás, na HQ Lucius não sabe que Bruce Wayne é o Batman.

- O Bat-tanque é o mesmo das HQs O Cavaleiro das Trevas de Frank Miller e O Messias de Jim Starlin.

- O treinamento mental à base de drogas de Bruce Wayne aparece em Um Conto de Batman - Tao de Alan Grant.
E o treinamento espiritual de Bruce com ênfase no poder do símbolo do Morcego são mostrados em Um Conto de Batman - Shaman, de Denny O´Neal.

- Dr. Jonathan Crane (Cillian Murphy) se tornou o Espantalho e fez sua primeira aparição numa história de Bill Finger e Bob Kane em 1941.
A cena do primeiro encontro entre Batman e Espantalho no longa parece ter sido baseada em um episódio do desenho animado Superamigos, aonde o gás do medo fazia Batman se lembrar do assassinato dos pais no Beco do Crime.
Já o Espantalho à cavalo é inspirado em uma cena de O Longo Dia das Bruxas.


- Várias cenas de Bruce no Tibet foram baseadas nas primeiras aparições de Ra´s Al Ghul escritas por Denny O´Neal e reunidas na coletânea Contos do Demônio.
Mas o relacionamento paternal entre Bruce Wayne e Ra´s Al Ghul foi explorado principalmente em O Filho do Demônio de Mike Barr, aonde Bruce tem um filho com a filha de Ra´s, Tália, que, pelo menos até agora, ficou de fora da franquia cinematográfica do Morcego.


- A principal inspiração de Nolan e Goyer para o conceito que relaciona as viagens de Bruce com suas lembranças do pai e o seu destino é O Homem Que Cai de Denny O´Neal, republicada no Brasil no Almanaque Batman Classic 1 da Opera Graphica.
É também a história que melhor detalha as etapas do treinamento de Bruce e de onde surgiu a frase dita por seu pai, Dr. Thomas Wayne (Linus Roache), no longa:

"Por que caímos? Para aprendermos a nos levantar."






BATMAN - O CAVALEIRO DAS TREVAS




- De O Longo Dia das Bruxas veio a aliança entre Batman, Gordon e Harvey Dent (Aaron Eckhart) contra o crime organizado feita no topo do prédio da polícia.
Também é desta trama de Jeph Loeb o momento em que Gordon simula sua própria morte, sendo que na HQ quem se faz passar por morto, enganando inclusive o público, é Harvey Dent.
Outro momento idêntico é o incêndio da pilha de dinheiro dos mafiosos, sendo que na HQ quem põe fogo são Batman e Harvey e no filme é o Coringa.
A transformação de Harvey em Duas-Caras já havia sido mostrada em inúmeras outras histórias como O Olho de Quem Vê, de Andrew Helfer, porém, notavelmente tanto no longa de Nolan quanto em O Longo Dia das Bruxas Harvey cruza a linha por causa de uma mulher, Gilda Dent na HQ e Rachel Dawes (Maggie Gyllenhall no lugar de Katie Holmes) no cinema.

- Também de todas estas tramas da origem do Duas-Caras é que surgiu o mafioso Sal Maroni (Eric Roberts), que na HQ ficou famoso por desfigurar o rosto de Dent com ácido em pleno tribunal. Curiosamente, no início de Cavaleiro das Trevas Harvey sofre um atentado de um capanga de Sal no tribunal, com este presente, mas consegue desarmá-lo.

OFF: A propósito, alguém saberia me dizer se o nome do personagem é Sal MOroni ou Sal MAroni, porque até hoje eu não consegui descobrir? hehe

- O plano do Coringa (Heath Ledger) de provar que até o mais respeitado cidadão poderia enlouquecer como ele, assim como sua relação de coexistência interdependente com o Batman é de A Piada Mortal de Alan Moore.
Só que no filme a vítima é Harvey Dent em vez de Jim Gordon, embora Gordon acabe sendo indiretamente também vítima do plano do Palhaço.

- Coringa ameaçando matar pessoas importantes de Gothan, inclusive no método por envenenamento é igual à história da primeira aparição do personagem elaborada por Bill Finger e Jerry Robinson em 1940.
Boa parte do comportamento sádico do Coringa, além de A Piada Mortal, também veio de Asilo Arkhan de Grant Morrison.

- O conceito do Batman enfrentando Coringa e Duas-Caras em busca da própria identidade é o mesmo da HQ O Cavaleiro das Trevas do Frank Miller.
Nessa história também é mostrada a interdependência da relação Coringa/Batman com o Coringa voltando à ativa após anos, assim que o Batman sai de sua aposentadoria.
Também nesta HQ é retratado o impacto que Batman tem na opinião pública de Gothan City.

- Da fase setentista de Denny O´Neal e Neal Adams veio a base detetivesca do Batman e a substituição da caverna pela cobertura de Bruce Wayne na cidade mostrada no longa. Especificamente a mudança ocorre partir da história Três Balas e Um Mistério, onde o Robin, Dick Grayson, se mudava pro campus de sua faculdade e Batman voltava a agir sozinho.
Essa história pode ser vista no especial em formatinho As Várias Faces de Batman da Editora Abril.

- A trama do personagem Reese (Joshua Harto) e do jornalista interpretado por Anthony Michael Hall são de um arco do Batman com a Hera Venenosa dos anos 80, publicada aqui em Superamigos (a revista, NÃO o desenho!).
Na trama, Hera controlava Bruce e outros acionistas, forçando-os a entregarem as Empresas Wayne pra ela contra a vontade de Lucius Fox, enquanto corria uma trama paralela, da mesma maneira que no filme, onde Batman quase teve sua identidade secreta revelada ao vivo num programa de tv.
OFF: Tanto essa edição de Superamigos quanto As Várias Faces de Batman já estiveram em minhas mãos! ARGHHHHHH!!!!! Se arrependimento matasse!

- O conceito das pessoas sem treinamento querendo imitar o Batman combatendo o crime veio de Um Conto de Batman - Devoção de Mike Barr.
Já a idéia dos impostores vestidos de Batman sendo assassinados pela cidade são de As Muitas Mortes de Batman do John Byrne, que foi publicado pela Ed. Abril nas revistas Batman 1 e 2 em Formato Americano.
Mas a cena em que uma das vítimas é enforcada na janela do prefeito lembra a história de David V. Reed, Enforquem O Batman, que também pode ser encontrada no especial As Várias Faces de Batman da Abril.
- A corrupção policial, além de Ano Um do Miller, também é baseada em Um Conto de Batman - Gangues, a qual retrata bem como a polícia local pode cometer as piores atrocidades.

- Bruce Wayne pilotando a moto todo de preto no dia do funeral do Loeb e Batman enfrentando o Esquadrão da SWAT e salvando o filho do Gordon de uma queda são cenas tiradas do final de Batman Ano Um do Frank Miller.

- A idéia de Bruce Wayne querendo largar o manto do Batman por uma mulher é da Fase Steve Englehart/ Marshall Rogers (que também aprimorou o lado detetive do personagem) e de Batman Ano Dois do Mike Barr. Sendo que nas histórias de Steve Englehart o par romântico de Bruce era Silver St. Cloud, a primeira mulher a fazer Batman pensar em aposentar a capa. Em Ano Dois, como já foi dito, essa honra coube a Rachel Caspian.
A personagem de Maggie Gyllehaal, especialmente nesse segundo longa, reuniu características de ambas, assim como a Mary Jane Watson da trilogia Homem-Aranha, que é uma mistura dela mesma com Gwen Stacy e outras mulheres da vida de Peter Parker.

- A luta com o Coringa no prédio em construção é inspirada em uma história da Fase Englehart/Rogers (a qual TAMBÉM permanece inédita no Brasil), embora também lembre o duelo final entre Batman e Ceifador no mesmo cenário em Batman Ano Dois do Barr.








APÊNDICE - Uma explicação sobre os filhos e as mulheres do Comissário Gordon:



Na HQ, no começo da carreira, James Gordon tem um filho também chamado James e é casado com uma mulher chamada Bárbara. Em Batman Ano Um ele tem um caso extraconjugal com a policial Sarah Essen, mas não o leva adiante e ela deixa Gothan.
Anos depois Barbara Gordon, filha de seu irmão, vem morar com ele tornando-se sua filha adotiva e mais tarde a combatente do crime Batgirl.


Após os eventos mostrados na história Batman - Gritos Na Noite de Archie Goodwin, Gordon se separa de Barbara (A ESPOSA), que deixa Gothan junto com James (O FILHO).
Já na história A Piada Mortal o Coringa dá um tiro, aleija e (supostamente) estupra Barbara Gordon (A FILHA). Adaptando-se a nova situação, ela tornou-se uma espécie de super-hacker (ou Bat-hacker né?) conhecida como Oráculo.
Ela também vive um romance vai-e-vem com Dick Grayson, o primeiro Robin, atual Asa Noturna.


Anos depois Sarah Essen volta a Gothan e se casa com o divorciado Comissário, tornando-se Sarah Essen-Gordon. Essa história, O Casamento do Comissário Gordon do Denny o´Neal, foi inclusive a última vez que eu vi Barbara (A EX-ESPOSA) e James (O FILHO), assim como o policial Flass.
Porém, no fim da mega-saga Terra de Ninguém, Coringa (sempre ele!) mata Sarah Essen-Gordon com um tiro na cabeça numa história escrita por Greg Rucka.
Mas o mais curioso é que recentemente numa história de Devin K. Grayson, Barbara Gordon (A FILHA) descobriu que sua mãe pode ter traído seu pai com o irmão, ou seja, ela seria filha biológica de Gordon.
No entanto, seguindo um conselho de Batman, ela decidiu não saber mais sobre o caso.


Por que estou contando tudo isso?
Ora, pra esclarecer a tremenda confusão que muita gente fez no cinema ao ver duas Barbaras Gordon listadas.
No primeiro filme, Batman Begins, é visto o filho de Gordon, ao lado da mãe Barbara na cozinha quando Batman aparece na varanda.
Já no segundo, O Cavaleiro das Trevas, quando a família de Gordon é levada pelo Duas-Caras praquele prédio abandonado, aparecem Barbara agarrada tanto ao pequeno James (que depois sai gritando pelo Batman no final), quanto à pequena Barbara, cujo rosto aparece envolto em sombras.
Será um gancho pra futura participação da personagem na franquia?

6 comentários:

Jovem disse...

Cara, muito bom o artigo, dá pra perceber que você conhece profundamente a mitologia do Batman. Quanto ao uso de Barbara Gordon (a filha) como Batgirl acredito que seja muito difícil e sua aparição como criança ainda foi porque Nolan não quer colocar ela de jeito nenhum. Espero realmente que seja isso que eu estou pensando - e que o mesmo pensamento se dê com o Robin.

Bat-Cristina disse...

Excelente texto!
Vou até salvá-lo.

Maú Santos disse...

Cara, só uma correção.
A história em que Bruce Wayne se muda para a cobertura é "Três Balas e um Mistério", de 1969. Também é nessa história que Dick Grayson vai embora para estudar na Universidade Hudson.

Corto Blog Maltese disse...

Obrigado Maú. Já corrigi.

Corto Blog Maltese disse...

Revendo hoje, gostaria de acrescentar outros detalhes.

A história do Steve Englehart e do Marshall Rogers, inédita no Brasil, Dark Detective, é bem mais influente no filme Cavaleiro das Trevas do que eu pensei.
OHarvey Dent do filme é uma mistura do Dent de O Longo Dia das Bruxas com o Evan Gregory da trama do Englehart assim como o Ra's Al Ghul era uma mistura dele mesmo com o Ducard em Batman Begins.

Além disso, também são notáveis as influências das histórias O Sinal do Coringa e Os Peixes Sorridentes.
E a cara Coringa da dupla Nolan/Ledger é idêntico ao desenhado por Marshall Rogers com aquele preto embaixo dos olhos.

Régis Soares - Repórter disse...

No texto lemos " Aliás, na HQ Lucius não sabe que Bruce Wayne é o Batman". Na hq isso é verdade, até que Bruce Timm cria seu Batman - Animated Series e Batman Vol II. Nela, temos um episódio dedicado totalmente e Lucius Fox. Este e sua filha foram sequestrados pelo Coringa e ao longo do episódio vemos como Lucius e Batman se conheceram e como Lucius começou a desenvolver equipamentos para Bruce. O primeiro foi um batmóvel ao estilo Tim Burton (cujos filmes inspiraram a série animada). O batmóvel antigo, aquele com a cara de morcego na frente pifou no meio de uma perseguição e Fox, que foi salvo de um assalto, ofereceu ajuda para arrumar o veículo e melhorá-lo. Batman só descobre onde Fox está, por causa de uma mensagem secreta que recebe numa ligação que pedia resgate. Lucius cita que se Batman tentar salvá-lo vai acabar "no porão" (ou algo assim...) "No porão" era gíria do automobilismo que indicava oficina. Batman então foi atrás de Fox na velha oficina dele, onde os primeiros equipamentos foram criados. Essa história também aparece na versão impressa do desenho. Belo texto no demais, só precisa parar de confundir onde com aonde... www.bhqmais.blogspot.com